quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Chapter 3: A Janela (Monumentos, Aves e Varandas)

Chegam ao último andar, pedem o que querem e encontram-se na sala central. Passa uma banda portuguesa num qualquer canal musical no ecrã dos Armazéns. Filipa parece conhecer, pois indica com a cabeça um bom sítio para se sentarem, perto de uma janela, enquanto canta quase inaudivalmente... "You do what they told you, and now you only get what you deserve". Cantava bem, mas não foi isso que chamou a atenção de Paulo. Ele sabia, desde há muito como era mas, sobretudo, o que era aquela expressão. Um misto de ódio, saudade, tristeza. Os olhos mostram a tristeza, quando ficam molhados e ameaçam deixar cair uma lágrima. Os maxilares, apertados com toda a força que podem até ao limite de quebrar, são o ódio, transmitem a força de um sentimento tão negativo que chega a dar vontade de matar. A saudade vê-se num ligeiro torcer da boca para a direita, aliviando os olhos, os maxilares e arrastando o olhar para o chão, como que dizendo "apesar de tudo, fazes-me falta".
Não perguntou nada, detestava quando lhe perguntavam porquês, quandos, ondes... Sentaram-se na mesa que ela apontou. Paulo reparou que uma senhora tinha pensado exactamente a mesma mesa como a ideal para se sentar, pois mudou imediatamente de direcção quando se apoderaram da mesa, e esboçou algum descontentamento por lhe terem roubado aquela pérola entre tantos outros lugares perfeitamente comuns.
A janela tinha vista para os lados do Rossio, podia ver-se o Castelo, a Sé, o Chapitô. Depois do momento anterior, Paulo decidiu desanuviar o ambiente.
-Boa escolha.
-É, gosto de olhar lá para fora.
Paulo, olhou, mas não gostou. O sol que lhe tinha banhado a cara enquanto descia até à Brasileira tinha-se escondido atrás de uma pequena camada de nuvens que em menos de 1 hora conquistaram todo o céu e lhe levaram aquele banho dourado. Tinha pensado este dia de forma completamente diferente. Tinha trocado uma aula de piano, num piano verdadeiro, não a mesa velha da cozinha, por aquele sol...e agora, nem aula, nem sol. Não gostando da vista, tinha de dizer algo.
-Que é aquilo? - perguntou apontando para a Sé.
-É a Sé. Quer dizer, acho que é a Sé. Parece a Sé, e a Sé é o único monumento assim grande para aquele lado. Deve ser a Sé, sim.
Paulo sorriu, a indecisão de Filipa divertia-o. Ela também sorriu.
-Parece que só a idéia de almoçar deixa-te logo mais simpático. Devias sorrir mais, gosto do teu sorriso - disse Filipa.
-O meu verdadeiro sorriso está longe, tal como o teu. Mas falar sobre isso não nos leva até ele.
-Pois não...
Seguiu-se um daqueles silêncios incómodos, quebrado por uma pergunta de Paulo, com o único objectivo de o terminar só porque lhe dava um estanho sentimento de fim daquela 'relação'.
-Que ave é aquela? - perguntou ele apontando com a cabeça para uma gaivota que passava do outro lado da janela, pousando num telhado em frente.
-É...uma pomba.
Paulo não se controlou, aquela tínha-o atingido com força. Riu descontroladamente. Ela não levou a mal, e sorriu.
-OK, o mundo animal não é bem o meu domínio.
-Tudo bem.
-Mas é o quê?
-Uma gaivota - ambos sorriram.
Pela janela, talvez por estar coberto por uma qualquer nuvem, o sol apresentava tons de laranja, que lembravam o pôr-do-sol...
-Olha, o pôr-do-sol deve ser giro hoje...vamos ver? Conheço um sítio. Uma varanda em forma de losango, é linda.
"Não", passou-lhe pela cabeça, mas hoje era diferente, hoje a outra pessoa era diferente, hoje valia a pena, hoje havia uma varanda em forma de losango.
-Vamos - retorquiu ele, mas acho que temos de comer primeiro.
Ainda não tinham tocado na comida...

(Chapter 4: Varanda)

1 comentário:

Eleanor Rigby disse...

À noite era mais fácil de distinguir de certeza, a Sé é o unico monumento iluminado para aqueles lados! loooool x]

Bonito, para não variar!