terça-feira, 4 de março de 2008

Chapter 4: A Varanda (Música, Armagedões e Temperaturas)

Levantaram-se, puseram os tabuleiros nas prateleiras dos tabuleiros sujos e dirigiram-se para as escadas rolantes. Na sala central, Paulo parou, olhou para o ecrã. Uma rapariga loira corria pelo meio da floresta, parecia perdida. Mas desta não foram os olhos que o atraíram, foram os ouvidos..."Don't waste your time on me you're already the voice inside my head", dizia o rapaz no vídeo. Virou-se, olhou para Filipa. Ela não disse nada, dirigiu-se para as escadas rolantes. Saíram dos armazéns.
Enquanto se dirigiam para a varanda, nem uma palavra, ambos pareciam tentar perceber o momento em que aquela música lhes atingiu os ouvidos. Ambos tinham percebido, mas não queriam assim. Ambos queriam assim, mas custava-lhes.
Passaram pelo rapaz dos malabarismos, pelo Fernando...Paulo tinha a estranha sensação de estar a dirigir-se para casa.
Mas não. Ela não subiu nenhuma das ruas atravessadas pela 'dos Fiéis de Deus'. Dirigiu-se para o lado oposto. Uma rua estranha. Olhando para a esquerda, uma travessa apresentava um enorme declive, para depois recuperar quase ao mesmo nível, como um elástico esticado pressionado por um dedo a meio. Uma mercearia do lado direito, uma igreja ao fundo, árvores...era um jardim. Uma estátua estranha que só lhe fazia lembrar algum monstro da mitologia fê-lo de repente compreender o porquê do nome do local. Num cantinho, um bar. E no bar, uma varanda...
Quando Filipa tinha falado naquilo, tinha parecido boa idéia, mas agora, agora parecia uma idéia extraordinária.
Encontravam-se ligeiramente a Este da Ponte, podia ver-se o Cristo Rei, o Rio a correr em direcção àquele sol, agora coberto por nuvens. Não escassas nuvens de aspecto inofensivo que normalmente proporcionam um bom pôr-do-sol, mas nuvens densas que ameaçavam desabar sobre o mundo e destruir tudo o que debaixo delas se aventurasse a passar. Para além deste sentimento de pseudo-armagedão, as nuvens davam a sensação de um anoitecer prematuro. Paulo gostou daquele ambiente.
-Bem, não deve ser tão fixe como pensei -disse Filipa sentindo-se culpada por aquele pôr-do-sol tão 'feio'.
-Não, pelo contrário, está mesmo porreiro. E está a ficar nevoeiro, olha...
Ela olhou. O nevoeiro vinha do lado norte do rio, começava a cobrir o cimo do primeiro pilar da fonte, o sol agora coberto por nuvens e nevoeiro, disfarçava-se de uma qualquer cidade das histórias de fantasia. Apenas raios de luz penetravam as ditas nuvens, e ver toda aquela luz cor-de-laranja sem ver a sua fonte, por trás da estrutura metálica da ponte, de gruas e dos barcos...para ele era fantástico.
...parece o fim do mundo, quando isto passar a Ponte já não vai estar ali.
-Ya, e os carros vão cair todos à água, e a ponte vai puxar aquela parte onde está o Cristo e vão morrer 'bué' pessoas, e a gente fica aqui a ver mesmo tranquilos.
-'Wow!' Que maquiavélica, pá!
Ela sorriu, juntando as mãos encostadas às pernas, dando um ar de "Ya, eu sou assim, que se há-de fazer?". Aquela rapariga, aquele sorriso, aquela varanda em forma de losango, aquele pôr-do-sol (sem sol)...tudo ali lhe dizia o que fazer, mas desta vez tinha decidido não arriscar. Pegou-lhe na mão e sorriu timidamente, era tão fria quanto a dele era quente. Exactamente tão fria quanto a dele era quente. A mão dela arrefeceu a dele, a dele aqueceu a dela, a temperatura era perfeita agora. Apetecia-lhe ficar ali toda a noite, dormir com a cabeça dela no peito dele, esperar até o sol nascer do outro lado, e depois esperar mais um bocado, e outro...
-Olha, tenho de ir. Tenho de ir dar comida ao meu cão e ao meu gato. - disse Filipa. Paulo sentiu-se mal, começava a habituar-se à mão dela e na dele, mas ela não parecia partilhar do sentimento. Mas ele queria mais.
-Ah, ok. Vais de metro?
-Ya.
-Queres companhia?
-Se quiseres vir...

(Chapter 5: Sentidos)