Paulo mora na Travessa dos Fiéis de Deus (Liga a Luz Soriano à dos Caetanos e à de O Século, etc...), embora não seja um deles. Estuda em Lisboa, embora tenha nascido numa pequena vila do interior. Acorda cedo, sai do seu quarto (num prédio velho, verde com ar de ruína, com o tecto podre como alguma da comida que fica em cima da mesa durante horas, enquanto 'estuda' piano, percutindo a dita mesa com os dedos), desce a Luz Soriano, o Calhariz em direcção ao Camões, onde pára na tabacaria, para efectivamente reabastecer o stock de Marlboro que lhe fará companhia durante o dia. Eléctricos, gente, muita gente. Não pessoas, não no puro sentido da palavra. O sol de meados de Janeiro bate-lhe na cara, o tempo melhorou desde o início da semana, está sol. E vai aproveitar esse sol, hoje não vai ao conservatório, não lhe parece que fosse produtivo.
Dirige-se à Brasileira, passando a mão de forma cúmplice pelo ombro de Fernando Pessoa. Entra, pede 2 absintos enquanto começa a desembrulhar o maço de tabaco. Depois da empregada feia, sem nenhum atributo que mereça a sua atenção lhe dar o que pediu, paga, agradecendo. Sai e senta-se na mesa com 'o Fernando', como lhe chama, oferecendo-lhe 1 dos absintos. "Fumas?" pergunta, inclinando o maço, permitindo a'o Fernando' tirar um cigarro. "Oh, que pergunta...já sei que não." Divaga sobre temas do quotidiano que parecem aborrecer o seu ouvinte, ainda que este não profira uma única palavra. Segura o cigarro, que entretanto tirou do maço, entre os dedos indicador e médio da mão esquerda, e enquanto procura no bolso direito pelo isqueiro, usa os 3 restantes dedos (da mão esquerda) para agarrar o copo de absinto e entorná-lo garganta abaixo. Acende o cigarro. Fernando continua calado, nem tocou no seu copo quando Paulo acaba de fumar o cigarro. "Não vais beber, não é? Então bebo eu...mas ao fim de 1 ano e meio já devias ter aceite algum, qualquer dia há-de querer um, e depois o que fazes? Pode já nem haver. Mas mesmo que haja, que fazes? Vais buscá-lo?" Solta uma gargalhada sarcástica, sobressaltando algumas das pessoas em redor. Pega no copo d'o Fernando', deita rudemente a ponta do cigarro para o chão e entorna mais um absinto garganta abaixo.
"Vou aos armazéns, já que não vou fazer nem tocar música hoje e não se pode ter uma conversa decente contigo, vou pelo menos OUVIR música. Debussy...hoje apetece-me ouvir Debussy."
Desce a Rua Garret em direcção aos armazéns. A rua está apinhada de gente. O habitual rapaz de rastas está lá com os seus malabarismos, acompanhado pela rapariga flautista, e muita mais gente que lhe passa completamente despercebida circula pela rua. Assim que avista o rapaz malabarista, como que numa espécie de ritual, Paulo tira um cigarro do maço e estende-lho com um 'Bom dia', retribuído de uma forma gentil, mas estranhamente agressiva como sempre, talvez adquirida em anos de 'malabarismos' de sobrevivência. "Tu não podes, és flautista" diz ele à rapariga. Ela responde como sempre, com um sorriso sincero, mas um sorriso carregado de tristeza, ou talvez não seja tristeza, era um sentimento que Paulo nunca compreendia...
Chega à entrada dos armazéns. Repara à entrada, olhando para trás, que as luzes de Natal continuam a 'enfeitar' as ruas. Entra pela porta do meio.
(Chapter 2: Debussy)
sexta-feira, 18 de janeiro de 2008
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2 comentários:
O Paulo é que devia cravar tabaco ao Pessoa:'|
bonito*
Olha, tens aqui um blog giro. *
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